JOSÉ ROBERTO WALKER
A Cia. Brasileira de Ópera é uma iniciativa inédita na história da música erudita no Brasil. Pela primeira vez um projeto de amplo alcance percorreu o Brasil de norte a sul levando até públicos muito distintos, um espetáculo de música lírica, com elenco e produção de níveis internacionais num padrão que é difícil alcançar mesmo nas grandes capitais brasileiras.
Quem acompanhou a turnê 2010/2011, por 26 cidades brasileiras, de Manaus a Porto Alegre, pode assistir a uma versão inovadora e bem humorada de O Barbeiro de Sevilha, de Rossini.
Em praticamente todas as cidades por onde passou com o O Barbeiro de Sevilha lotou os teatros e atraiu uma enorme atenção da imprensa, ganhando capas dos jornais locais e matérias nas principais redes de televisão. Numa rápida pesquisa na internet pode-se contar mais de 1 milhão de citações da Cia. e do seu Barbeiro. É um resultado espetacular para um primeiro ano de trabalho.
Uma grande equipe, com mais de setenta pessoas entre maestros cantores, músicos e técnicos percorreu mais vinte mil quilômetros, por terra e pelo ar, enfrentando as distancias e as diversidades de um país como o nosso e apresentando-se nos mais importantes teatros do Brasil.
Além das mais de 70 apresentações da ópera de Rossini, foram realizadas quase 40 récitas infantis, num espetáculo especialmente concebido para as crianças e jovens. Só ele reuniu mais de 35 mil espectadores numa iniciativa inédita no Brasil.
O espetáculo foi agraciado com os dois mais importantes prêmios culturais do país, como melhor espetáculo de ópera de 2010, o Prêmio APCA Associação Paulista de Críticos de Arte e o XIV Prêmio Carlos Gomes.
Ele estava bem no centro do palco. Os holofotes miravam seus movimentos no trecho da história mais importante para o seu personagem. Foi nesse momento, próximo do clímax da ária do Fígaro, que o barítono Sebastião Teixeira teve uma idéia arriscada para uma estréia. Depois de soltar o primeiro “Fígaro!”, ele estendeu as mãos e pediu ao público que o acompanhasse na sequência conhecidíssima de chamados ao barbeiro da ópera. A platéia não titubeou: mais de mil crianças entoaram, sem nenhum ensaio prévio, o coro de vozinhas agudas que animou aquela tarde de 27 de junho de 2010, no Grande Teatro Palácio das Artes, em Belo Horizonte. “Fígaro! Fígaro! Fígarooo!”
Chamar o público para a ópera, como Sebastião Teixeira fez na primeira récita infantil d’O Barbeiro de Sevilha, da Cia. Brasileira de Ópera, foi o objetivo principal do projeto que levou a história do barbeiro espertalhão para 26 cidades brasileiras. Mais de 100 mil pessoas assistiram às mais de 100 récitas, dedicadas aos públicos adulto e infantil, de um espetáculo que priorizou um jeito novo de apresentar um antigo gênero musical.
Para qualquer aficionado de ópera, ver termos como “ousadia”, “inovação” e “desafio” associados a uma produção de O Barbeiro de Sevilha soa estranho, ou, pelo menos, exagerado.
Afinal de contas, trata-se de um dos títulos mais populares do repertório, sendo encenado com regularidade no Brasil desde 1821 - apenas cinco anos depois da estréia mundial, em 1816.
Contudo, a montagem de O Barbeiro de Sevilha levada a cabo pela Cia Brasileira de Ópera é completamente distinta de qualquer outra que tenha ocorrido por aqui nos quase dois séculos que nos separam da estréia do espetáculo no Brasil.
Nada de cenários convencionais. Para atrair a atenção do público, a produção aplicou uma linguagem nova ao gênero. Por isso, a criação desta montagem foi concebida num ambiente
Uma nova maneira de fazer ópera
pouco usual para uma ópera, numa prancheta de desenho. Ao cartunista Ítalo-americano Joshua Held e ao diretor cênico Píer Francesco Maestrini coube esolver o desafio de encenar uma ópera completa ao vivo em desenho animado.
O projeto resgatou a prática de percorrer o país levando um espetáculo de ópera. Repetiu-se, assim, a história vivida pelo Brasil na virada do século XIX para o XX, quando companhias estrangeiras desembarcavam aqui com o intuito de levar espetáculos de ópera aos mais diversos teatros do país.
Muitos anos depois, a Cia Brasileira de Ópera surgiu com a mesma intenção de disseminar a arte lírica pelo país. Adaptada, logicamente, às evoluções tecnológicas que permitiram apresentar mais récitas num intervalo de tempo mais enxuto. E voltando a levar produções líricas a centenários teatros históricos, erigidos como marcos urbanísticos na belle époque, que estavam há décadas sem receber o tipo de espetáculo para o qual haviam sido originalmente concebidos.
A logística da turnê e a pré-produção do espetáculo precisou ser meticulosa, já que nunca havia sido feita antes uma turnê desta proporção e não havia referência de como executar essa agenda. A formação da orquestra também dependeu de muito cálculo e planejamento.
Alternaram-se músicos de várias regiões do país, como Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Brasília, Rio de Janeiro, São Paulo, além de alguns residentes fora do país, como na Holanda, Espanha, Itália e Estados Unidos.
Encerrada a turnê de 2010/2011, o projeto mostrou que é possível viajar com orquestra, elenco e produção, com um custo aceitável e oferecer um espetáculo de grande apuro técnico e artístico. Nesta produção, a relação custo-benefício foi bem mais generosa do que a grande maioria da produção operística atual.