JOSÉ ROBERTO WALKER
Lembranças de São Paulo
Crônicas sobre a cidade de São Paulo
por José Roberto Walker
Cultura FM 103,3, às quartas-feiras: às 9h e 18h
5 - As mulheres de São Paulo
As paulistanas de hoje em dia se vestem como as mulheres de qualquer cidade moderna do mundo. A moda muda o tempo todo e em São Paulo não é diferente.
Mas nem sempre foi assim.
Até bem avançado o século 19, as mulheres de São Paulo, só eram vistas nas ruas, cobertas dos pés à cabeça e usando uma espécie de véu como as muçulmanas. Parece estranho dizer isso hoje em dia, mas as paulistanas até a primeira metade do século 19 nunca mostravam o rosto em público. As mantilhas e as capas de baeta, um tecido de lã, eram requisitos indispensáveis no vestuário feminino e sempre usadas nas ruas pelas mulheres.
Esse hábito veio da península ibérica e foi herdado diretamente dos árabes. Por algum motivo se enraizou em São Paulo e durou muito tempo.
Em 1775 um Governador da Capitania, Martim Lopes Lobo Saldanha, recém-chegado de Lisboa, estranhou o uso e o proibiu. A partir daquela data, as mulheres da cidade deveriam andar com o rosto descoberto até o peito sob pena de multa ou até mesmo prisão.
No entanto o espírito renovador de Lobo Saldanha foi insuficiente para mudar os hábitos arraigados dos paulistanos. Em 1810, outro governador se incomodou com o costume. Enviou carta ao Príncipe Regente, que já se encontrava no Rio de Janeiro, pedindo a interferência do soberano para fazer valer uma proibição que ele mesmo já emitira e que, pelo visto, não vingara. O futuro D. João VI, atendendo ao pedido, lançou uma Ordem Régia na qual frisava que:
“O Príncipe Regente nosso senhor, fica na inteligência de haver Vossa Senhoria proibido solenemente o andarem as mulheres nessa cidade embuçadas em baetas, e ordenou o mesmo senhor que o produto das condenações impostas aos transgressores por semelhante delito Vossa Senhoria o aplique no Hospital dos Lázaros dessa cidade. Deus guarde a Vossa Excelência. Palácio do Rio de Janeiro em 30 de agosto de 1810.“
Tudo inútil.
Nos documentos que o tempo preservou, deixados pelos raros viajantes estrangeiros que visitaram São Paulo, estava sempre presente a descrição detalhada dessas mulheres que se exibiam nas ruas totalmente cobertas.
Nas primeiras fotos da cidade elas podiam ser vistas, nas portas das lojas da pequena vila, com a mantilha sobre o rosto e vestidas de preto.
Até que a cidade fosse invadida pelos imigrantes, os paulistanos mantiveram esses hábitos que vinham da época da colonização.
Depois, bem... depois tudo mudou.
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5 - As mulheres de São Paulo
As paulistanas de hoje em dia se vestem como as mulheres de qualquer cidade moderna do mundo. A moda muda o tempo todo e em São Paulo não é diferente.
Mas nem sempre foi assim.
Até bem avançado o século 19, as mulheres de São Paulo, só eram vistas nas ruas, cobertas dos pés à cabeça e usando uma espécie de véu como as muçulmanas. Parece estranho dizer isso hoje em dia, mas as paulistanas até a primeira metade do século 19 nunca mostravam o rosto em público. As mantilhas e as capas de baeta, um tecido de lã, eram requisitos indispensáveis no vestuário feminino e sempre usadas nas ruas pelas mulheres.
Esse hábito veio da península ibérica e foi herdado diretamente dos árabes. Por algum motivo se enraizou em São Paulo e durou muito tempo.
Em 1775 um Governador da Capitania, Martim Lopes Lobo Saldanha, recém-chegado de Lisboa, estranhou o uso e o proibiu. A partir daquela data, as mulheres da cidade deveriam andar com o rosto descoberto até o peito sob pena de multa ou até mesmo prisão.
No entanto o espírito renovador de Lobo Saldanha foi insuficiente para mudar os hábitos arraigados dos paulistanos. Em 1810, outro governador se incomodou com o costume. Enviou carta ao Príncipe Regente, que já se encontrava no Rio de Janeiro, pedindo a interferência do soberano para fazer valer uma proibição que ele mesmo já emitira e que, pelo visto, não vingara. O futuro D. João VI, atendendo ao pedido, lançou uma Ordem Régia na qual frisava que:
“O Príncipe Regente nosso senhor, fica na inteligência de haver Vossa Senhoria proibido solenemente o andarem as mulheres nessa cidade embuçadas em baetas, e ordenou o mesmo senhor que o produto das condenações impostas aos transgressores por semelhante delito Vossa Senhoria o aplique no Hospital dos Lázaros dessa cidade. Deus guarde a Vossa Excelência. Palácio do Rio de Janeiro em 30 de agosto de 1810.“
Tudo inútil.
Nos documentos que o tempo preservou, deixados pelos raros viajantes estrangeiros que visitaram São Paulo, estava sempre presente a descrição detalhada dessas mulheres que se exibiam nas ruas totalmente cobertas.
Nas primeiras fotos da cidade elas podiam ser vistas, nas portas das lojas da pequena vila, com a mantilha sobre o rosto e vestidas de preto.
Até que a cidade fosse invadida pelos imigrantes, os paulistanos mantiveram esses hábitos que vinham da época da colonização.
Depois, bem... depois tudo mudou.
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4 - Quando D. Pedro veio a São Paulo
Te espero na porta do Mappin!
Durante décadas esta foi a senha para se marcar um compromisso no Centro de São Paulo. Quem queria encontrar alguém na Cidade, que é como os paulistanos se referiam ao centro, marcava o ponto de encontro na porta do Mappin. Era fácil perceber isto passando a qualquer hora do dia pela praça Ramos de Azevedo. Sempre havia uma fileira de pessoas alinhadas em frente as vitrines que ladeavam a entrada da loja. Todos aguardavam os seus parceiros para uma reunião de negócios, uma tarde de compras ou simplesmente para passear pela Cidade.
Esse hábito vinha de longe. Desde que a loja Mappin se instalou na praça do Patriarca, a sua porta de entrada serviu de referência para os paulistanos. A loja se estabeleceu por aqui em 1913 como Mappin Stores. Ficava na rua XV de novembro, 26. Era loja de elite e seus produtos custavam caro. No início, se dedicava a vender artigos finos para senhoras e crianças. Todos importados, é claro. Nenhuma senhora de boa família, compraria tecido ou roupas feitas por aqui. Vendia também lingeries e vestidos de noite. Soirée, como se dizia na época. Não era exclusiva das mulheres pois vendia também roupas de baixo para homens. Mas a seção masculina tinha entrada independente, pela lateral.
Em 1919 se mudou para a praça do Patriarca, já como a maior loja de departamentos da cidade e vendia de tudo. Até móveis, tapetes e brinquedos. A nova loja, com 5 andares, era enorme para os padrões da época e seu salão de chá ficou famoso como ponto de encontro da elite.
20 anos depois mudou-se de novo, para a praça Ramos, em frente ao Municipal. Nesse endereço consolidou a sua liderança no comércio da cidade, se expandiu e morreu, deixando semi abandonado o imponente prédio art-deco de Elisário Bahiana, inaugurado em 1939.
Mas ainda está presente na memória dos paulistanos. Mesmo hoje em dia se pode ver, a qualquer hora, duas ou três pessoas em frente às vitrines quase vazias da loja que ocupa o velho prédio, aguardando um encontro marcado.
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3 - Quando D. Pedro veio a São Paulo
No ano de 1822 quando o príncipe D. Pedro visitou São Paulo e declarou o Brasil independente de Portugal, a cidade estava longe de ser grande ou importante, mesmo para os padrões limitados da época. Tinha mais ou menos oito mil habitantes e ainda repousava, num sono de séculos, sobre a colina da sua fundação, cercada pelos rios Tamanduateí e Anhangabaú.
Não passava, na realidade, de uma vila.
Possuía 38 ruas e sete largos, alguns de poucos metros. Eram 14 as igrejas. As ruas, em geral sem calçamento e as casas baixas de taipa, como no tempo dos bandeirantes. Sobrados, poucos e de taipa também. Só havia um carro particular, o coche do bispo D. Matheus. Para entrar e sair da cidade, quatro pontes, duas no Tamanduateí e duas no Anhangabaú, além do Caminho de Carro para Santo Amaro. Caminho de carros de boi, que fique bem entendido.
Havia noventa e dois comerciantes de fazendas secas e molhadas, sete médicos, três boticários e apenas nove professores, sendo três de primeiras letras. A água era um problema e o seu abastecimento precário, motivo de constantes queixas da população.
Ansiosa para receber o Príncipe, a Câmara Municipal destacou um vigia, que se instalou no alto da torre da Igreja da Boa Morte. De lá, ele podia ver a comitiva que se aproximava, vinda dos lados do Ipiranga. Sua função era tocar os sinos da pequena igreja e assim avisar a cidade da visita real.
Na noite de 7 de setembro houve gala na Casa da Ópera, o pequeno teatro que existia desde o século 18 no Páteo do Colégio.
Os homens da elite paulista lotaram a plateia e aclamaram o jovem Príncipe. Só os homens, porque na São Paulo daqueles tempos as mulheres ainda não podiam frequentar os teatros.
Foi nesse dia e nesse lugar que o Brasil começou a sua vida independente.
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2 - O primeiro jornal
Para quem vive em São Paulo hoje em dia é muito fácil saber o que acontece na cidade, no Brasil ou no mundo. A internet, a televisão e o rádio trazem as notícias rapidamente, quase que no mesmo momento em que acontecem.
Mas é claro que nem sempre foi assim. Durante muito tempo a cidade foi pequena o suficiente para não possuir nem um único jornal e as novidades chegavam com meses de atraso e corriam apenas de boca em boca.
O primeiro jornal da cidade – se é que se pode chamar assim um folheto manuscrito – só surgiu em 1823. Não havia tipografia em São Paulo, embora nesta época já circulassem dezenas de jornais no Rio, Salvador e Recife.
“O Paulista”, redigido e copiado à mão por um professor de latim, tinha duas edições semanais e cada exemplar tinha que ser dividido entre cinco assinantes. Morreu logo, talvez pela exaustão do seu abnegado criador, que produzia ele mesmo todas as cópias.
Jornal impresso só em 1827. Foi o “Farol Paulistano”, que sobreviveu até 1833 e surgiu junto com o primeiro prelo que chegou à cidade. Porém não era fácil editar um jornal na pequena São Paulo daquela época. As assinaturas, previamente vendidas, prometiam duas edições por semana. No entanto o primeiro número já avisava:
“Por ora sairá esta folha às quartas-feiras, mas logo que tenhamos novos tipos e quem ajude ao compositor que é único e não pode acudir a todo o trabalho, dalaemos duas vezes por semana”.
Mesmo assim o jornal saía cheio de erros de composição e desalinhado. Devia ser difícil encontrar tipógrafos naquela época. Logo depois da Independência, a cidade possuía mais ou menos 8 mil habitantes e a profissão exigia habilidade. Além disto, o prelo era antigo e muito usado. Os tipos necessários para a composição eram velhos e não havia letras “a” em número suficiente e as existentes estavam muito desgastadas pelo uso. Muitas vezes não pegavam tinta e a sua falta comprometia um pouco a leitura. Era difícil de ler, mas São Paulo finalmente já podia dizer que possuía o seu jornal.
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Chácara dos Ingleses - Pedro Alexandrino
1 - Rua dos Estudantes
São Paulo é uma cidade estranha, que guarda o seu passado sempre escondido. Embora já tenha mais de 460 anos, a sua história não está à vista de todos e é preciso procurá-la. Até os nomes das velhas ruas quase desapareceram e são poucos os exemplos que nos lembram a cidade antiga.
A rua dos Estudantes é uma dessas. Hoje quase desconhecida, ela sai da Praça da Liberdade e vai até o Glicério. Antigamente, descendo a colina, logo se encontrava o Largo da Glória. No século 18, lá ficava a Chácara dos Ingleses, que pertenceu ao comerciante inglês John Rademaker – daí o nome.
Dominava a propriedade um sobradão colonial onde, época da Independência, morava uma beldade paulistana chamada Domitila. Dizem as lendas da cidade que foi naquele casarão que o jovem e impetuoso Príncipe D. Pedro a conheceu. Ele logo se apaixonou e mais tarde a transformou em Marquesa de Santos.
Quando a Faculdade de Direito de São Paulo foi criada em 1827, dezenas de estudantes, vindos de todo o império ocuparam a pequena vila e acabaram impondo a ela a marca da sua presença.
Depois que Domitila se tornou Marquesa e se mudou para um palacete na Rua do Carmo, o velho casarão serviu à Santa Casa e mais tarde transformou-se em república de estudantes.
Foi nela que moraram Álvares de Azevedo, o maior poeta acadêmico, e o romancista Bernardo Guimarães. Foi naquele velho casarão, meio fantasmagórico, que Alvares de Azevedo escreveu a maior parte da sua obra.
A chácara e o cemitério desapareceram ainda no século 19, invadidos pela cidade que crescia, mas durante muitas décadas, essa área foi dominada pelos estudantes da Academia de São Paulo, que se fixaram por ali, ocupando as poucas casas disponíveis na cidade.
É em memória desse tempo remoto que aquela rua ainda se chama Rua dos Estudantes, guardando a lembrança das repúblicas que durante muitos anos os abrigaram, no que era então, um arrabalde da cidade.